sexta-feira, 27 de novembro de 2009





Deixa ficar comigo a madrugada,

para que a luz do Sol me não constranja.

Numa taça de sombra estilhaçada,

deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,onde eu ouça o estertor de uma gaivota...

Crepite, em derredor, o mar de Agosto...

E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir.

Só te aconselho

que acendas, para tudo ser perfeito,à cabeceira a luz do teu joelho,

entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir.

De nada mais preciso

para a minha ilusão do Paraíso.



David Mourão-Ferreira

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

love of my life...





"can't you see... you don't know what it means to me..."






tua presença só é visível nas fotografias dos barcos

as quilhas são a tua memória longínqua das Índias

vai

com os pássaros de bicos exuberantes

e sonha

e estende o corpo cansado nos intervalos da erva fresca

onde alguém costurou pedras brancas na orla das grandes rotas

a cidade espera-te com o cais de madeira

junto ao rio abre as mãos toca nos corpos com os lábios

agarra-os dentro de ti

até que da terra lodosa brotem especiarias

porque só longe daqui acharás o que falta da tua identidade

só longe daqui conhecerás o sangue e talvez a felicidade.



Al Berto

I NEVER KNEW YOU

segunda-feira, 23 de novembro de 2009






Parto mais longe, onde não existem máximas, extintas culpas em ouvidos frenéticos ou
monótonos.

Falei-te do absurdo como se fosse uma cor a acrescer aos sentimentos, ou então um dom.

Falei-te das minhas coisas como se fossem tuas.

E falei-te desses lapsos de dúvida que transtornam a maneira de viver.

Falei porque as palavras se trocam, se atiram, se oferecem e se negam com abundância, com uma
rapidez que não altera as pulsações e não necessita do sangue como pressuposto.

Presumia sempre uma diferença, um abismo que as palavras não supõem, não discutem.E o
tempo passou-se.

E o eco renasce-me nos meus dedos.

Não posso escrever-to porque não sei.




Caderno de Exorcismos - Joaquim Pessoa / Fotografia Ralph Gibson





E resolveste partir...


Assim...


Sem te despedires...


do nosso mundo...

sexta-feira, 20 de novembro de 2009







Este outro que também me habita

talvez proprietário, invasor,quem sabe o exilado neste corpo

estranho ou de ambos,

este outro a quem temo e ignoro, felino ou anjo,

este outro que está só sempre que estou só,pássaro

ou demónio,esta sombra de pedra que tem crescido dentro e fora de mim,

eco ou palavra, esta voz que responde quando me perguntam

algo,

o dono de meu enredo, o pessimista e o melancólico e o

emotivamente alegre,

este outro,

também te ama.




Darío Jaramillo Agudello (Poeta Colombiano)







encontrámo-nos no valentino em turim

e viajámos por toda a itália de comboio,

dormindo juntos.

eu não falei em sexo.

disse dormindo juntos.

coisa de que a sexualidade é,e não é, uma parte.

é esse dormir juntos

que é sagrado para mim.

bocejarmos juntos.

podes ter sexo com qualquer pessoa

mas com quem podes dormir?

odeio-te

porque dormiste comigo

e me deixaste.



Paul Durcan - Felicity in Turin

quinta-feira, 19 de novembro de 2009






o momento da decisão é um momento de impiedade. escolhemos aquilo que é bom para nós, e os outros que se aguentem. há com certeza excepções altruístas, ocasionais ou reincidentes, mas em geral é cada um por si. a nossa decisão muitas vezes não tem mal nenhum, o mundo continua todo exactamente como dantes, fica tudo esquecido num instante. mas há decisões que afectam toda a vida de terceiros, de alto e baixo, e durante anos. quem dispõe com impiedade da vida dos outros está no seu legítimo direito, mas também ter que ser homenzinho (ou mulherzinha) suficiente para aguentar o embate. não falo de vinganças, que é coisa que detesto, ou de ressentimentos, que talvez sejam ainda piores que a vingança; o que eu digo é que quem dá uma navalhada tem de estar disposto a conviver com a cicatriz na cara de quem esfaqueou. seria grotesco que protestasse contra a cicatriz, por inestética e ofensiva, quando segurou a arma branca que rasgou o rosto alheio. a impiedade da decisão tem de ser obrigada a conviver com a impiedade dos resultados da decisão. é um espectáculo lamentável? ah, só reparaste agora?




Pedro Mexia

quarta-feira, 18 de novembro de 2009








agora não. talvez daqui a uma hora, amanhã, depois de amanhã, mais tarde, mas agora não. agora aguenta-te, finge que és forte, sorri ou, pelo menos, puxa os cantos da boca para cima: se mantiveres os olhos secos vão pensar que é um sorriso...



António Lobo Antunes




tinhas razão, toda a razão, razão antes de tempo, razão tantos anos antes. viste


numa fraqueza um desastre, escolheste os adjectivos que se iam tornar substantivos,


e disseste que a vida não estava do meu lado. e foi então que me apresentaste a morte,


apenas para que eu falasse com alguém enquanto tu viravas costas.



Pedro Mexia

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

IF YOU WANT ME,


WHY GO?

domingo, 15 de novembro de 2009


tinha-te a ti, tinha-te a ti e tinha paz.
num pais que era ainda sonho,
onde a tristeza não tinha lugar,
pois era uma canção que eu não te ouvia cantar...
tenho-te a ti, tenho-te aqui, nesta canção.
agora sou só saudade,
e ás vezes quanto tendo a desistir, do jogo da cidade,
encosto-me ao teu ombro...
que hoje é parte de mim.


Letra de JP Simões




I can give it all on the first date
I don't have to exist outside this place
And dear know that I can change
But if stars,
shouldn't shine
by the very first time
Then dear it's fine,
so fine by me
'Cos we can give it time
So much time...
with me
I can draw the line on the first date
I'll let you cross it
Let you take every line
I've got
When the time gets late


The xx




corri para o telefone mas não me lembrava do teu número

queria apenas ouvir a tua voz

contar-te o sonho que tive ontem e me aterrorizou

queria dizer-te porque parto

porque amo

ouvir-te perguntar quem fala ?

e faltar-me a coragem para responder e desligar

depois caminhei como uma fera enfurecida pela casa

a noite tornou-se patética sem ti

não tinha sentido pensar em ti e não sair a correr para a rua

procurar-te imediatamente

correr a cidade duma ponta a outra

só para te dizer boa noite ou talvez tocar-te

e morrer

como quando me tocaste a testa e eu não pude reconhecer-te

apesar de tudo senti a mão sabia que era a tua mão

mas não podia reconhecer-te

sim

correr a cidade procurar-te mesmo que me afastasses

mesmo que nem me olhasses

mesmo que me dissesses coisas que me

mesmo que

e ter a certeza de que serias tu depois a procurar-me.



Al Berto






Permaneço deitado,
ignoro o dia,
não me mexo,
recuso-me a pensar.
...
Fico assim, perdido no fundo de mim mesmo,
sem nome, sem olhar o que me rodeia,
sem corpo que me transporte,
sem pensamentos.
...
Estou gasto.
Dei-me sempre mais do que podia.




Al Berto






D. tem razão. houve de facto um tempo em que eu preferia «a ironia» à «amargura». mas hoje, depois de tudo o que aconteceu, não me posso dar a esse luxo.



Pedro Mexia

será isto o amor...






conta-me outra vez: é tão bonito
que não me canso nunca de escutá-lo.
repete-me outra vez que o par
do conto foi feliz até à morte.
que ela não lhe foi infiel,
que a ele nem sequer
lhe ocorreu enganá-la.
e não te esqueças de que,
apesar do tempo e dos problemas,
continuaram beijando-se cada noite.
conta-mo mil vezes por favor:
é a história mais bela que conheço.


Amalia Bautista in O coração dos poetas

sábado, 14 de novembro de 2009





Devias estar aqui rente aos meus lábios
para dividir contigo esta amargura
dos meus dias partidos um a um.


Eugénio de Andrade





...quando damos tudo, como no poema de yeats («never give all the heart»), e falhamos, quando damos o nosso melhor e o nosso melhor não chega, é impossível continuar tudo como dantes, não extrair conclusões, não tomar decisões, não ter algumas dúvidas que são certezas. quando o nosso melhor não chega, nada disto vale a pena.

Pedro Mexia




há dias, sabes, em que gostava de ser como o gato e que me tocasses sem desejar encontrar quaisquer sentimentos a não ser o que se exprime num espreguiçar muito lento - um vago agradecimento? - e que depois me deixasses deitada no sofá sem que nada pudesses levar da minha alma, pois nem saberias o que dela roubar.

Pedro Paixão




pensava eu que a felicidade deveria estar escondida naqueles momentos de perturbação em que me descobria no teu olhar. enganei-me, passei a vida a enganar-me.
é tarde. apago-me, vagarosamente.



Al Berto







devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.

os assuntos que julgámos profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.

por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

foste eterna até ao fim.



José Luis Peixoto






Detesto a inocência. a inocência fingida. odeio todos aqueles que se resguardam na inocência para poupar a tristeza dos outros. detesto-te quando queres fugir ao julgamento de tudo o que sentem por ti. nunca estamos sós. pensa nisso, nunca estamos a sós com a nossa vida. existem sempre os outros, o sentimento deles a construir vedações à volta do que sentimos também por eles. há uma troca de vidas, palavras que não são margens nem são pontes; palavras que são tudo o que nos resta para morrermos. lê o que eu escrevo. não sei onde vou buscar tudo isto, não sei. e se eu te disser que o sofrimento é uma atracção daqueles seres profundos onde não os atingimos nem a gritar? temo que sejas uma criatura assim. alimentas-te do teu próprio eco. muitas vezes agi de cabeça quente de criança a desmontar peças existenciais porque não sei onde começa o humano e acaba a monstruosidade do que sinto pelo mundo das pessoas. não acredito em inocências. não há farsa maior e bem construída que os sentimentos que se ocultam numa verdade inocentemente fingida. se eu te dissesse tudo o que sinto, tudo a respeito da tua inocência, teria de me destruir para dar um sentido à minha honestidade. os humanos vivem no subconsciente das suas próprias verdades, e tudo o que expõem de positivo são ruínas que se erguem debaixo dos nossos dias.


Fernando Esteves Pinto








QUERIA

NÃO

OLHAR

PARA

TRÁS.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009





DEIXA

SER

AMOR.








DEIXA

SENTIR

AMOR.




DEIXA

DIZER

AMO-TE.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O que dói às Aves







E chega um dia em que reconhecemos
finalmente
a injustiça das palavras -
exactamente as mesmas
para quem vai e para quem fica

um dia
em que não há mais passado para contar
nem mais futuro para viver

apenas uma velha cantiga de embalar
uma casa desaparecida
e este limbo ocasional
onde o corpo
espera que anoiteça.





Alice Vieira

My sacrifice

I Don't Know What I Can Save You From...

sexta-feira, 6 de novembro de 2009




Imóveis

as horas

desde

que o sol se pôs

em ti.

Queria

seguir-te

no poente.

mas

foi o norte

que me indicou

o caminho.






Se num copo de porto

visses tudo o que eu sinto

saberias que o encarnado

está alojado em mim.

Um copo cheio não basta

para matar o lugar

do coração.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009







Lost or found!?...

Não.




Não sei nada.

Sinto-me em branco.

Naúfraga num mar

de arestas esguias.

Não sei nada.

Já te disse.

Apaguei da vida

as bóias da memória.





Traço a linha

da recta

da tua mão.

até a curva

nada perfeita

do meu peito.

Ouço uma buzina

arritmética.

Nem óleo

te faz

derramar de mim...

quarta-feira, 4 de novembro de 2009







To say goodbye, smiling,

it blesses you and me.

To turn again, to wave again,

the distance grows, we shrink...

Wave again at the empty

space, alone...



Inscrição numa lápide num cemitério judaico



(Retirado do livro de Miguel-Manso)

terça-feira, 3 de novembro de 2009








Se eu te disser que até respirar me custa

sempre que te vejo em todo o lado,

dar-me-ias, tu, um beijo de ar puro?

nem que fosse uma espécie de gratidão?...

segunda-feira, 2 de novembro de 2009







Ouve! Saberás, por ventura, que todas as palavras
nasceram para ti?
E que enquanto aqui te espero acordada
enquanto de amordaço a boca
de cuspe meu e faço dele um oceano livre de sal.
Apenas estrelas
de pescoço esticado em direcção ao céu.
Se esta casa ainda é minha,
se esta combustão ainda me pertence
quando os teus lábios dizem:
"O segredo está morto ao acordar,
mas se acordo junto a ti como podes isso ser?..."
Como poderá um nome ser tão extenso
quanto o areal da praia em que nos beijamos pela primeira vez?
Primeiro estudei o caminho,
aprendi as curvas e as lombas;
depois fiz por esquecê-lo;
amarrotei os papéis e as cartas,
queimei todos os fósforos numa perfeita metáfora
da imagem das vírgulas
que pontuo como asteriscos no teu corpo,
papel em branco manchado pelas minhas mãos...
E nestas mãos já não cabem pedaços de versos
ou trechos de poemas.
São dedos apenas os que te seguram.
Como trepadeiras mágicas, os dedos procuram,
a tua altura não é do tamanho do que vês.
É maior. Nasce no magma do centro da Terra e cresce até à minha boca,
onde te desfaço em pedaços.
Páro, agora,
para te dizer que te amo,
e porque eu fecho,assim, tão simplesmente,
as palavras junto a mim....



Amanda, Ana Sofia, Constança e Cristina in "Karaoke"