sexta-feira, 10 de julho de 2009

Capítulo II - A torrente de Lava










Se a memória não me trai estávamos numa parte da estória do tal célebre jantar em terras de


Viriato. E o mais que se passou nessa noite foi somente a continuação da minha já célere paixão.


Fácil será de imaginar por aqueles que se deixam arder e vêem.

Um bar com música dançável seguiu-se. Estávamos todos animados ao som de uns copos de


álcool que nos dirigiam os movimentos. Ela continuava lá. Ela continuava cá. Minutos antes de


entrar tinha trilhado, com o seu porte de anjo pacificador, a passadeira vermelha que forrava

uma das principais ruas da cidade na companhia de uma amiga. Eu estava dentro daqueles dois


pisos de animação nocturna e não deixava de visualizar a sua imagem. Gargalhava acordes de


pássaros que ensinava a voar. Iluminava de mil e uma cores as borboletas da noite que


deambulavam intoxicadas pelas luzes néon dos candeeiros de rua. O seu sorriso forrava as


fachadas dos prédios com pinceladas de vida. Para mim a rua estava vazia de tudo. Para mim o


no Mundo não existia mais ninguém. Não tinha espaço, não tinha tempo. Eras tu que cobrias todo


o Universo e fazias com que a minha alma quisesse penetrar a tua mente, o teu corpo. E que com


esse golpe exacto conseguisse descobrir em ti todos os recantos, todos os segredos, todos os


desejos, todos os sonhos, todos os medos e dúvidas, todas as belezas, toda a força, toda a magia


de ser em dois seres transcendente. Em que a linguagem binária que representa o amor fosse


apenas um mais um. O Eu e o Tu igualados a um Nós.

Não conseguia tirar os meus olhos de ti enquanto balouçavas o teu corpo ao ritmo da música que


estourava nas colunas. Eu segurava o meu copo e puxava de um cigarro, sempre uma perfeita


muleta para esconder a arritmia que me possuía. Lembro-me agora que poderia também figurar


num rótulo de tabaco esta frase: “ Fumar pode provocar sensações de alívio quando sofre de


arritmia cardíaca”, mas acho que ainda ninguém sugeriu.

Lembro-me, também, dum flash de máquina fotográfica que alguém utilizava para fixar aqueles


momentos de celebração. Pensava que eu de nada precisaria para eternizar aquele mesmo


momento. Tudo ficaria guardado e catalogado em cada gaveta do coração que insistias em querer


ocupar. Incrível mesmo é uns dias depois ter posto a vista em cima de tão badaladas fotos e dar


com Ela, sempre, atrás de todas elas em que eu figurava com a minha companheira de então. Ele


há coisas do Diabo como o povo gosta de dizer. Neste caso acreditava fielmente na hipótese do


pequeno Deus Cúpido sempre prestável andar por ali sempre de pontaria certeira.

Perguntam-me se falei com ela? Falei. Claro que sim. Como poderia fugir do íman do meu ser?


Não me queria calar com Ela.


Nada me conseguia impedir de me acercar a Ela, nada me poderia questionar do querer estar o


mais próximo possível dos seus olhos. Queria que Ela me visse. Se visse o que eu via nela


bastava para amanhecer de sol todos os continentes à mesma hora. Mas Ela teve que partir


naquela noite e passagem dos segundos eu senti-me abandonada mas guerreira. Nunca mais eu a


largaria. Mesmo que o tempo que eu desejava não fosse o seu Tempo de mim, o meu era-o de

certeza dela. Corria, agora, a lava incandescente dentro de mim.

sábado, 4 de julho de 2009

Capítulo I - Contacto com "Paphos"



Encontram-se a questionar o porquê de "Paphos". Para quem me conhece há longos anos sabe
que este nome é muito parecido com uma alcunha com que um grupo de amigas me baptizou, na
minha fértil adolescência, devido ao famoso jogo Tetris: Papo ou nos bons dias, papinho! Mas
desta vez uma coisa não anda directamente relacionada com a outra mas não posso abdicar de
sorrir à surpreendente coincidência.
Paphos é o santuário de Afrodite, uma cidade no Chipre, esse sagrado templo onde tive o acaso
de me deparar sem precisar de sair do sítio. E já que Afrodite ( descobri em alguém a
humanização da Deusa) entrou no meu reinado nessa noite dediquei-lhe este capítulo.
Invertendo aos desenvolvimentos daquela noite. Suponho que ainda se recordam de como tudo
começou e não valerá a pena cair na repetição. Além do mais a palavra repetição será parte
integrante desta “estória de amor transcendente” . Quem no final não acreditar na
transcendência dela terei todo o prazer em marcar um encontro “mano a mano” para darmos
como encerrada a descrença em algo tão olímpico.
Ainda antes de sairmos para o restaurante, e após aquele primeiro contacto com quem arrebatou
a minha alma com um simples gesto, divergimos os nossos corpos para o apartamento do
aniversariante. A ideia era confraternizar um pouco antes do jantar visto que a maior parte das
criaturas não se conhecia. E lá estava ela no meio de nós. Aquela criatura singela, pura, colorida,
arrebatadora, de sorriso aberto, bela nas mais diversas formas, confinava-me todos os sentidos.
Só me apetecia estar a seu lado, isolando-nos do resto do Universo, esquecendo todos os outros
seres presentes. Era isso que fazia em mim e para mim. Eu não passava agora de uma
adolescente envergonhada que levantava a voz e procurava protagonismo para que aqueles
olhos me agarrassem outra vez. A verdade é que não fui mais capaz de lhe largar as asas de anjo
que brilhavam nas suas costas debruadas a ouro pela espuma do mar. Repetia-me
incessantemente no silêncio gritante da minha alma: “ Quero quedar-me aí! Não desapareças um
segundo sequer agora que ressuscitas-te a minha vida. Fica comigo esta e todas a noites. Os dias.
As semanas. Os meses. Os anos. Percorre comigo de mãos dadas a eternidade. Quero-te aqui e
agora. Não posso mais viver sem ti. Não quero a minha existência mundana sem a tua. Ouve-
me…”
Quando saímos de casa eu era um misto de energia transbordante e de desejo descarado.
Éramos cerca de trinta num restaurante de pinta familiar e informal. As mesas estavam postas
com bom gosto, simples, elegantes e carismáticas a fazer jus à cerimónia em causa. Flores,
pedras de vários feitios, velas, adornavam o repasto que para mim seria o mais afortunado dos
felizes até à data.
As pessoas conhecidas começaram a sentar-se em grupos, lembro-me que ela mal conhecia
alguém. Sentia-se até um pouco desfasada. Eu, apesar de conhecer, mantinha-me sentada ao
lado da pessoa que ocupara a minha vida até então.
Quis o acaso que ela se sentasse em frente a mim. E com sorte numa posição em que eu a podia
observar com os meus olhos ávidos sem ela reparar. Por vezes acho que não foi assim tão anjo
como parecia nesta situação específica. Ou isso, ou Zeus tinha metido uma pequena cunha por
mim. Seja como for, a noite já era minha e era com ela que a queria partilhar querendo dividir
tudo.
Ali estava. Sentia o meu corpo a estremecer, as mãos suadas, os olhos vidrados, o coração a
querer-me fugir pela boca. Um medo completamente disfarçado que não queria que a minha
companhia nota-se a minha tão real inquietação.
Mas ela era tão forte e eu tornava-me tão criança nos meus trinta anos de existência. Qualquer
um atento repararia. A minha companhia, sempre atenta, reparou mas eu neguei. Neguei porque
nem sabia como explicar o que me estava a suceder naquela fase, visto por todos como quase
perfeita, da minha vida. Mas não há como negar o coração e esse, mesmo mentindo eu da boca
para fora, não vai em falsas afirmações mesmo que segueres uma bíblia.
Ela tinha chegado. Estava ali para ficar guardada para sempre em mim.




sexta-feira, 3 de julho de 2009

Uma história de amor transcendente






Prólogo


Era de tarde, desses finais de tarde em que sabes o que vais fazer mas não sabes o que te

falta para descomprimires e teres aquele sorriso feliz que passas, por vezes, eternidades vagas à

espera. Mas sabes que partirias a uma destinada hora para um determinado local sem recusa ou
dúvida ameaçadora. Ias e pronto.
Era sábado, e uma festa de aniversário aguardava os convivas, podem ou não acreditar, de várias

zonas do país que chegavam à cidade das terras do Demo por variadíssimos meios de locomoção.

Nenhum a pé, não haveria ainda nenhuma promessa a ser cumprida. Morenos, morenas, loiros e

loiras, mas brancos, todos brancos, mas podíamos olhá-los de todas as cores.
Eram nove da noite, eu para lá me transmitia de automóvel que não poderia abortar a grande
festa do meu amigo duende. Naquele dia de Dezembro em que o frio vos estala os ossos, e uma f
festa é sempre um bom pretexto para o álcool aquecer os corpos desejosos de boémia, conheci-a.
Na mais bizarra situação que até lá me teria acontecido, lá estava ela. Após o ter estacionado

alguém me batia ao vidro e pedia se não me importaria de estacionar mais um. O alcatrão quente

libertava uma bizarra onda de calor que me preenchia a mente sequiosa enquanto abria

lentamente a porta do carro, não estava sozinha e ria-me do pedido estranho com a minha

acompanhante de vários anos. Levantei-me do assento, ajeitei a camisa e a gravata negra e rodei

o corpo de olhos postos no asfalto mas na direcção do veículo que esperava que o aparcasse em

paz. Quando comecei a andar subi o olhar e um sorriso primário invadiu-me o corpo, não queria

acreditar naquela aparição dionisíaca, o meu olhar metamorfoseou-se em energia e num

milésimo de segundo senti o meu cérebro flutuar e uma sensação de vida a devolver-me todo o

meu que havia perdido até então. Era um sorriso virgem, puro, angélico, novo, primário,

desconhecido de mim até então mas sempre utopicamente desejado. E lá estavam os teus olhos

que engolem o Mundo. Cuspiam uma força imortal e animal ao mesmo tempo que lembravam

baloiços vermelhos, pés descalços num verdejante jardim. Foi isso que me agarrou e me
fez perder o chão e a noção de outros. A mulher selvagem, menina das mil e uma cores que o
meu coração abotoou. Senti que pertencia àquele momento universal em que o peso dos corpos
deixa de fazer sentido e o sentimento flui como setas que atingem sempre o centro vermelho do
coração. A partir daquele instante já nada poderia fazer, tudo nos pertencia.