Se a memória não me trai estávamos numa parte da estória do tal célebre jantar em terras de
Viriato. E o mais que se passou nessa noite foi somente a continuação da minha já célere paixão.
Fácil será de imaginar por aqueles que se deixam arder e vêem.
Um bar com música dançável seguiu-se. Estávamos todos animados ao som de uns copos de
álcool que nos dirigiam os movimentos. Ela continuava lá. Ela continuava cá. Minutos antes de
entrar tinha trilhado, com o seu porte de anjo pacificador, a passadeira vermelha que forrava
uma das principais ruas da cidade na companhia de uma amiga. Eu estava dentro daqueles dois
pisos de animação nocturna e não deixava de visualizar a sua imagem. Gargalhava acordes de
pássaros que ensinava a voar. Iluminava de mil e uma cores as borboletas da noite que
deambulavam intoxicadas pelas luzes néon dos candeeiros de rua. O seu sorriso forrava as
fachadas dos prédios com pinceladas de vida. Para mim a rua estava vazia de tudo. Para mim o
no Mundo não existia mais ninguém. Não tinha espaço, não tinha tempo. Eras tu que cobrias todo
o Universo e fazias com que a minha alma quisesse penetrar a tua mente, o teu corpo. E que com
esse golpe exacto conseguisse descobrir em ti todos os recantos, todos os segredos, todos os
desejos, todos os sonhos, todos os medos e dúvidas, todas as belezas, toda a força, toda a magia
de ser em dois seres transcendente. Em que a linguagem binária que representa o amor fosse
apenas um mais um. O Eu e o Tu igualados a um Nós.
Não conseguia tirar os meus olhos de ti enquanto balouçavas o teu corpo ao ritmo da música que
estourava nas colunas. Eu segurava o meu copo e puxava de um cigarro, sempre uma perfeita
muleta para esconder a arritmia que me possuía. Lembro-me agora que poderia também figurar
num rótulo de tabaco esta frase: “ Fumar pode provocar sensações de alívio quando sofre de
arritmia cardíaca”, mas acho que ainda ninguém sugeriu.
Lembro-me, também, dum flash de máquina fotográfica que alguém utilizava para fixar aqueles
momentos de celebração. Pensava que eu de nada precisaria para eternizar aquele mesmo
momento. Tudo ficaria guardado e catalogado em cada gaveta do coração que insistias em querer
ocupar. Incrível mesmo é uns dias depois ter posto a vista em cima de tão badaladas fotos e dar
com Ela, sempre, atrás de todas elas em que eu figurava com a minha companheira de então. Ele
há coisas do Diabo como o povo gosta de dizer. Neste caso acreditava fielmente na hipótese do
pequeno Deus Cúpido sempre prestável andar por ali sempre de pontaria certeira.
Perguntam-me se falei com ela? Falei. Claro que sim. Como poderia fugir do íman do meu ser?
Não me queria calar com Ela.
Nada me conseguia impedir de me acercar a Ela, nada me poderia questionar do querer estar o
mais próximo possível dos seus olhos. Queria que Ela me visse. Se visse o que eu via nela
bastava para amanhecer de sol todos os continentes à mesma hora. Mas Ela teve que partir
naquela noite e passagem dos segundos eu senti-me abandonada mas guerreira. Nunca mais eu a
largaria. Mesmo que o tempo que eu desejava não fosse o seu Tempo de mim, o meu era-o de
certeza dela. Corria, agora, a lava incandescente dentro de mim.
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