Prólogo
Era de tarde, desses finais de tarde em que sabes o que vais fazer mas não sabes o que te
Era de tarde, desses finais de tarde em que sabes o que vais fazer mas não sabes o que te
falta para descomprimires e teres aquele sorriso feliz que passas, por vezes, eternidades vagas à
espera. Mas sabes que partirias a uma destinada hora para um determinado local sem recusa ou
dúvida ameaçadora. Ias e pronto.
Era sábado, e uma festa de aniversário aguardava os convivas, podem ou não acreditar, de várias
zonas do país que chegavam à cidade das terras do Demo por variadíssimos meios de locomoção.
Nenhum a pé, não haveria ainda nenhuma promessa a ser cumprida. Morenos, morenas, loiros e
loiras, mas brancos, todos brancos, mas podíamos olhá-los de todas as cores.
Eram nove da noite, eu para lá me transmitia de automóvel que não poderia abortar a grande
festa do meu amigo duende. Naquele dia de Dezembro em que o frio vos estala os ossos, e uma f
festa é sempre um bom pretexto para o álcool aquecer os corpos desejosos de boémia, conheci-a.
Na mais bizarra situação que até lá me teria acontecido, lá estava ela. Após o ter estacionado
alguém me batia ao vidro e pedia se não me importaria de estacionar mais um. O alcatrão quente
libertava uma bizarra onda de calor que me preenchia a mente sequiosa enquanto abria
lentamente a porta do carro, não estava sozinha e ria-me do pedido estranho com a minha
acompanhante de vários anos. Levantei-me do assento, ajeitei a camisa e a gravata negra e rodei
o corpo de olhos postos no asfalto mas na direcção do veículo que esperava que o aparcasse em
paz. Quando comecei a andar subi o olhar e um sorriso primário invadiu-me o corpo, não queria
acreditar naquela aparição dionisíaca, o meu olhar metamorfoseou-se em energia e num
milésimo de segundo senti o meu cérebro flutuar e uma sensação de vida a devolver-me todo o
meu que havia perdido até então. Era um sorriso virgem, puro, angélico, novo, primário,
desconhecido de mim até então mas sempre utopicamente desejado. E lá estavam os teus olhos
que engolem o Mundo. Cuspiam uma força imortal e animal ao mesmo tempo que lembravam
baloiços vermelhos, pés descalços num verdejante jardim. Foi isso que me agarrou e me
fez perder o chão e a noção de outros. A mulher selvagem, menina das mil e uma cores que o
meu coração abotoou. Senti que pertencia àquele momento universal em que o peso dos corpos
deixa de fazer sentido e o sentimento flui como setas que atingem sempre o centro vermelho do
coração. A partir daquele instante já nada poderia fazer, tudo nos pertencia.
1 comentário:
Que belo!!
Enviar um comentário