quinta-feira, 29 de outubro de 2009






O meu coração inflamado é do tamanho da explosão de Hiroshima.
Se houvesse um rumor de vidro que estala nos meus dedos....
Tiro a mordaça!
Do avesso seguro as palavras que nunca me dizes
como se de um silêncio de ferrugem se tratasse.
Mas nenhum silêncio reduziria a acidez dos suspiros, que,
a medo, abandonas ao longo do meu corpo.
Sabes que a luz é dissonante e quando as mãos se cruzam
nas calçadas,por momentos perdidas,
o calor rouba-me a tua voz
e já não sei proferir o teu nome,
pois a combustão de Agosto faz de mim uma trouxa de cinza.
E, mesmo assim, quero que o Outono se demore o mais possível
e que Dezembro se incendeie para depois, ternamente,
recolher os estilhaços,
fragmentos de uma vida
que julgava sarada por ti...
Mas agora, já nada disso importa.
Estou de pé,
tenho tempo!



Amanda, Ana Sofia, Constança, Cristina in " Karaoke"

quarta-feira, 28 de outubro de 2009






penso-te...

penso-te

de céu

escarlate...

terça-feira, 27 de outubro de 2009

sem palavras...







"Mais uma noite, amor. Ao recordar-te
retomo os fins do mundo, a cinza, os dias
manchados de outras lágrimas. Sabias
como eu a cor das sombras, essa arte

que nos engana agora e se reparte
por esquinas e cafés. Já não me guias
os muitos passos vãos, as fantasias
da minha falsa vida. Vou deixar-te

fugindo-me. Na chuva, sem ninguém,
apenas alguns vultos, o que vem
«e dói não sei porquê» -este deserto

onde te vejo, imagem outra vez,
até de madrugada. O que me fez
sentir o muito longe aqui tão perto?"



Fernando Pinto do Amaral in A Escada de Jacob






Dizias-me em voz melódica e sussurrante,

como se eu tivesse que entender, tão facilmente, o (teu) Mundo:

" Não pode ser, eu não sinto o mesmo que tu!"

Meus olhos tombavam nos movimentos

perpétuos dos teus braços,

sentia-os humedecidos com os teus pensamentos.

Não sabendo mais por onde me resguardar,

respondia entre linhas numa palavra apertada :

" Má..."

Não vás por aí, não sou de ferro...





Sorvo a seco
os teus lábios molhados.
Existe ainda o sonho,
este que trago encalacrado na garganta,
que me impossibilita,
sempre, agora,
de engolir...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009





Quero-vos murmurar de amor, do amor... É sempre uma boa altura para se falar deste assunto que nunca falece no/com o tempo. Não sou mestre. Muito menos filosófica. Sou apenas alguém como muitos outros que vive nesta década. Neste Universo. Nesta fracção de tempo que alguém nos ofereceu para simplesmente sermos. E, foda-se, que difícil é ser. Mas o amor não é simples, não. Nenhuma espécie de amor o é. Qualquer um de vós pode comprovar aquilo que aqui escrevo. Quem já não sentiu amor? Quem nunca experimentou aquela vontade de nunca partir? Qual de nós seria capaz de renegar uma paixão? Um desejo? Uma vontade inigualável? Qual de vós seria capaz de dizer: não? Virar as costas ao mais vazio dos vazios? Porque o vazio não passa disso!Falta de amor! E pronuncio para os que encontraram. Mas falo, também, para os que não se cansam de procurar. E para os que já desistiram. Queria contar-vos uma história de amor. Uma outra estória de amor. Sigam em frente. Nesta viagem nunca desejem o fim. No amor, o fim nunca existiu....








Amor, lamento,
perdi-me
por
ti...






No meu cérebro
há lâmpadas incandescentes
do fogo que trago preso a mim.
Preferia fundir uma-a-uma
agarrando o calor com as minhas mãos.
Seria então pele queimada
que negaria cobrir o teu corpo
e aí,
já encontraria uma justificação...

domingo, 25 de outubro de 2009

Se tu me esqueces





Quero que saibas
uma coisa.

Tu sabes como é:
se contemplo
a lua de cristal, os ramos rubros
do outono lento da minha janela,
se toco
ao pé do lume
a impalpável cinza
ou o corpo enrugado da lenha,
tudo a ti me conduz,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fossem pequenos barcos que navegam
em direcção às tuas ilhas que me esperam.

Ora bem,
se a pouco e pouco deixas de amar-me,
deixarei de amar-te a pouco e pouco.

Se de repente me esqueceres,
não me procures,
que já te haverei esquecido.

Se consideras longo e louco
o vento de bandeiras
que percorre a minha vida
e decidires
deixar-me à margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
nessa hora,
levantarei os braços
e as minhas raízes irão
procurar outra terra.

Mas se em cada dia,
em cada hora,
sentes que a mim estás destinada
com doçura implacável.
Se em cada dia em teus lábios
nasce uma flor que me procura,
ai, meu amor, ai, minha,
todo esse fogo em mim se renova,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor do teu amor se nutre, amada,
e enquanto viveres continuará nos teus braços
sem abandonar os meus.

Pablo Neruda in "Os versos do capitão"

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Mensagens




Invisíveis regressam as palavras
na penumbra que desce e que me abraça
quase em silêncio. As ruas da cidade
revelam cada rosto do passado,
cada perfil ou cada olhar - sorrisos
que setembro segreda e vou sentindo
como se fossem teus, como se ainda
por milagre viesses ter comigo
a mais um bar deserto, a mais um sonho
filho da meia-noite, nado-morto
talvez como este amor. O frio do outono
vai diluindo as margens do meu corpo
numa estranha neblina que submerge
a casa onde viveste, agora imersa
no mar das minhas lágrimas, eternas
como esse teu jardim - ó atmosfera
envolta em doces mágoas, entre os muros
de séculos e séculos! As escuras
refluem as palavras, as nocturnas
mensagens do passado ou do futuro.



Fernando Pinto do Amaral

Vigílias






quando aqui não estás
o que nos rodeou põe-se a morrer
a janela que abre para o mar
continua fechada só nos sonhos
me ergo
abro-a
deixo a frescura e a força da manhã
escorrerem pelos dedos prisioneiros
da tristeza
acordo
para a cegante claridade das ondas
um rosto desenvolve-se nítido
além
rasando o sal da imensa ausência
uma voz
quero morrer
com uma overdose de beleza
e num sussurro o corpo apaziguado
perscruta o coração
esse
solitário caçador .


Al Berto

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Se alguém disser...







se alguém disser que morri,
avança até à varanda do céu,
escuta a noite e recolhe o meu corpo da espuma dos planetas.
não deixes que o meu rosto se dissolva nas tuas mãos,
insiste no meu nome até que o mar ascenda à tua boca.
e de luar em luar celebra o coração que fiz teu
, mudamente,
como se o amor fosse sobreviver às veias paradas do sangue.


Vasco Gato in " Um mover de mão"

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Ofício de Amar



Já não necessito de ti
Tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
Tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio
De outras galáxias, e o remorso.....

.....um dia pressenti a música estelar das pedras
abandonei-me ao silencio.....
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
possuo a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadas

ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade do meu próprio corpo.


Al Berto

Uma paixão




Visita-me enquanto não envelheço
toma estas palavras cheias de medo e
surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado
tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das
noites povoadas de peixes voadores
vem ver-me
antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras
nacaradas deste vulcão a lava do desejos
ubindo à boca
sulfurosa dos espelhos
vem antes que desperte em
mim o grito de alguma terna Jeanne Hébuterne a
paixão derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro
perco-te no sono
das marítimas paisagens
estas feridas de barro e
quartzo
os olhos escancarados para a infindável
água
vem com teu sabor de açúcar queimado em redor da
noite
sonhar perto do coração que não sabe como
tocar-te...


Al Berto

A carta da paixão







Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascenças da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os seus recessos negros
onde se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se: O mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, essa lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponto a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tao feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.



Herberto Helder
PHOTOMATON & VOX

domingo, 18 de outubro de 2009





É tarde meu amor
estou longe de ti com o tempo,
diluíste-te nas veias das marés,
na saliva do meu corpo sofrido
agora, tuas máquinas trituram-me, cospem-me,
interrompem o sono
habito longe, no coração vivo das areias,
no cuspo límpido dos corais...
e no ventre impossível das cidades nocturnas
a solidão tem dias mais cruéis.

tentei ser teu, amar-te e amar o falso ouro...
quis ser grande e morrer contigo
enfeitar-me com tuas luas brancas,
pratear a voz em tuas águas de seda...
cantar-te os gestos com ternura
mas não

águas, águas inquinadas pulsando dentro do meu corpo,
como um peixe ferido, louco
em mim na lama... e o visco inocente dos teus náufragos
sem nome-de-rua,
nem estátua-de-jardim-público
aceito o desafio do teu desdém

na boca ficou-me um gosto a salmoura e destruição
apenas possuo o corpo magoado destas poucas palavras
tristes que te cantam

Al Berto in Wordsong





AAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH|




Era assim que gostava de ficar...
comigo a percorrer uma linha vazia
enquanto me olho
permanecendo imóvel ao longe...
dexando a pessoa seguir em frente e
escondendo-me a medo na floresta de papel...

quinta-feira, 15 de outubro de 2009






Um dia,
se a lâmpada de Aladino encontrar
e me conceder os tais ditos desejos,
pedirei que sejam ecos
todos os abraços
que despejaria no teu peito....






Pedir-te-ia um beijo
e não mo darias.
Falar-te-ia de hoje
e tu dissipar-te-ias nos ontem's.
Sei porém que te amo
e que o amor nasceu junto de ti.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

As mulheres do meu pai



"Amo-te muito, amo-te sem esperança,
e sem promessas, que é o amor mais puro e mais autêntico que o coração
pode experimentar. Saber-te presa é saber-me preso. Ando pela cidade com
o pensamento em ti. Tenho aprendido tanto contigo, e sobretudo o valor da
dignidade, que olhando para trás nem reconheço quem fui antes de te
conhecer a ti: amo-te."

José Eduardo Agualusa in As mulheres do meu pai






Poderia falar-te em minutos,
tempos suspensos,
dizer-te que tudo é igual.
Mas basta proteger-te do frio da noite
para saber que não residem em mim
mais sons...

segunda-feira, 12 de outubro de 2009




"Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.

E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.

Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.

Quem sabe quem os terá?
Quem sabe a que mãos irão?

Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.
Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza.
Murcha a flor e o seu pó dura sempre.
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.

Passo e fico, como o Universo."

Alberto Caeiro, «O guardador de rebanhos»,

Queria que assim fosse...





"A noite passada acordei com o teu beijo
descias o Douro e eu fui esperar-te ao Tejo
vinhas numa barca que não vi passar
corri pela margem até à beira do mar
até que te vi num castelo de areia
cantavas "sou gaivota e fui sereia"
ri-me de ti "então porque não voas?"
e então tu olhaste
depois sorriste
abriste a janela e voaste

A noite passada fui passear no mar
a viola irmã cuidou de me arrastar
chegado ao mar alto abriu-se em dois o mundo
olhei para baixo dormias lá no fundo
faltou-me o pé senti que me afundava
por entre as algas teu cabelo boiava
a lua cheia escureceu nas águas
e então falámos
e então dissemos
aqui vivemos muitos anos

A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
cheguei-me a ti disse baixinho "olá",
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então olhaste
depois sorriste
disseste "ainda bem que voltaste"

Sérgio Godinho, in Noites Passadas

domingo, 11 de outubro de 2009




Há alturas em que gostava apenas se ser lobo
deixando a humanidade para trás...




Sinto que o sol só nasce quando te sei acordada...

sexta-feira, 9 de outubro de 2009







Era tudo bem mais fácil se renegasse
tudo aquilo que sinto...
escondesse a universalidade de ti
num baú bem no fundo do meu cérebro
e me interditasse o acesso até ao fim dos meus dias....
É-me impossível tal acto de contrição...

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Contos Plausíveis





Há tantas coisas germinando na noite, que nem sei como enumerá-las. À noite nascem as revoluções tanto as que vão triunfar como as que só se realizam em pensamento, e são quase todas. Os revolucionários viram-se, inquietos na cama. E também os que se converterão, pela manhã, a religiões novas. E os amorosos. Análises emocionais levadas ao extremo da tortura arrastam-se pelas horas lentas da noite. Como a noite é rica! A noite é o tempo de não dormir; é o de velar e procurar; de criar mundos.

Demétrio quis prolongar a noite obturando todas as frestas do quarto, para que não entrasse a luz. Luz não entrou. Demétrio gozou da noite plena, continuada, e todos os pensamentos lhe floresciam. Construiu sistemas filosóficos. A escuridão era propícia a teorias políticas. Nenhum crítico foi mais perspicaz do que Demétrio, na literatura e nas artes. Aquela noite era fantástica. Demétrio quis experimentar as sensações de horror, êxtase, humilhação, glória, poder e morte. Morreu, mesmo no escuro. tendo sentido a morte em seu interior físico, não pôde mais tirá-la de si. É o único morto, conscientemente morto, de que já ouvi falar nesta vida. A noite é fantástica.



Carlos Drummond de Andrade, «Contos Plausíveis»,
in Poesia e Prosa, Rio de Janeiro, Aguilar, 1992.

Vazio...




"Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o acto sem continuação, o acto em si,
o acto que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste."


Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 6 de outubro de 2009

E com a primeiras chuvas...





"Neste outono, as pedras agasalham-se no cobertor
do musgo; e o barro bebe a água;
e o vento viaja rente aos muros.
Mas eu, sem ti, deito-me gelada sobre a cama
e digo palavras que queimam a boca por dentro ― amor,
saudade, o teu nome e os nomes das coisas que tocaste
(e sobre as quais deixo crescer o pó, para que os dias
não se decalquem sempre de outros dias).
Fecho os olhos depois sobre a almofada e vejo o rosto branco da casa
desenhar-se à medida da tua ausência:
as janelas abrem-se para a solidão dos becos
e há um farrapo de luz sobre a porta
a que ninguém virá bater.
Pergunto-me onde anda a tua
sombra quando aqui não estás.
E tenho medo.
São estes os solavancos de uma vida pequena ―
bordar uma toalha para logo a manchar de vinho,
sentir a ferida na distância do punhal,
viver à espera de uma dor que há-de chegar."

Maria do Rosário Pedreira, O Canto do Vento nos Ciprestes,
Lisboa, Gótica, 2001

Outono!




Quero ser eu a apanhar as folhas no teu Outono...

Medo.






"Um dia pressenti a música estelar das pedras,
abandonei-me ao silêncio
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
pussuo a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadas

ascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade de meu próprio corpo"



Al Berto - "Ofício de Amar" in O Medo

É Fodido!!!





"O amor é fodido. Hei-de acreditar sempre nisto. Onde quer que haja amor, ele acabará, mais tarde ou mais cedo, por ser fodido.(...)De resto, ninguém suporta viver um amor que não esteja pelo menos parcialmente fodido."

Miguel Esteves Cardoso

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Au Revoir Simone - All or nothing





"Everywhere is somewhere baby
So can't you see we're in the middle
Somewhere
Nowhere
just means knowing nothing
Of where you've been or where you're going
Feels farther
You're a sight to see
this early morning
Getting lost in my own neighborhood.
The same freedom you feel,
Is what's been blowing in my sail,
Since I arrived here.
It's all, all, all, allIt's all, all, all, all
It's all, all or nothing.
It's all, all, all, allIt's all, all, all, all
It's all, all or nothing.
Slowly coming into view
The images are slowly
Slowly coming into view
The images are slowly
Blending out for once
I know there's less to life
Once more it's looking for me
Saying yes instead of no
And wondering what to make
Of my directions
Won't be long that's just to gaze
And days will fall to dreams
Something familiar
It's all, all, all, allIt's all, all, all, all
It's all, all or nothing
It's all, all, all, allIt's all, all, all, allIt's all,
all or nothing..."