terça-feira, 6 de outubro de 2009

E com a primeiras chuvas...





"Neste outono, as pedras agasalham-se no cobertor
do musgo; e o barro bebe a água;
e o vento viaja rente aos muros.
Mas eu, sem ti, deito-me gelada sobre a cama
e digo palavras que queimam a boca por dentro ― amor,
saudade, o teu nome e os nomes das coisas que tocaste
(e sobre as quais deixo crescer o pó, para que os dias
não se decalquem sempre de outros dias).
Fecho os olhos depois sobre a almofada e vejo o rosto branco da casa
desenhar-se à medida da tua ausência:
as janelas abrem-se para a solidão dos becos
e há um farrapo de luz sobre a porta
a que ninguém virá bater.
Pergunto-me onde anda a tua
sombra quando aqui não estás.
E tenho medo.
São estes os solavancos de uma vida pequena ―
bordar uma toalha para logo a manchar de vinho,
sentir a ferida na distância do punhal,
viver à espera de uma dor que há-de chegar."

Maria do Rosário Pedreira, O Canto do Vento nos Ciprestes,
Lisboa, Gótica, 2001

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