terça-feira, 29 de dezembro de 2009




Tu disseste "quero saborear o infinito"

Eu disse "a frescura das maçãs matinais

revela-nos segredos insondáveis"

Tu disseste "sentir a aragem que balança osdependurados"

Eu disse "é o medo o que nos vem acariciar"

Tu disseste "eu também já tive medo. muito medo.

recusava-me a abrir a janela, a transpor o limiar da porta"

Eu disse "acabamos a gostar do medo, do arrepio que

nos suspende a fala"

Tu disseste "um dia fiquei sem nada. um mundo inteiro

por descobrir"

Eu disse "..."

Eu disse "o que é que isso interessa?"

Tu disseste "...nada"

Tu disseste "agora procuro o desígnio da vida.

às vezes penso encontrá-lo num bater de asas,

num murmúrio trazido pelo vento, no piscar de um néon.

escrevo páginas e páginas a tentar formalizá-lo.

depois queimo tudo e prossigo a minha busca"

Eu disse "eu não faço nada. fico horas a olhar para

uma mancha na parede"

Tu disseste "e nunca sentiste a mancha a alastrar,

as suas formas num palpitar quase imperceptível?"

Eu disse "não. a mancha continua no mesmo sítio,

eu continuo a olhar para ela e não se passa nada"

Tu disseste "e no entanto a mancha alastra

e toma conta de ti. liberta-te do corpo. tu é que não vês"

Eu disse "o que é que isso interessa?"

Tu disseste "...nada"

Eu disse "o que é que isso interessa?"

Tu disseste "...nada"


( Mão Morta )

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